
Adriana B. Leite e Santos
Notícias, notícias e mais notícias. Como em “Alegria, alegria”, de Caetano, quem lê tanta notícia? Secretaria de Segurança do Estado fez operação conjunta na cidade, depois de vários assassinatos, inclusive na Zona Sul. Obama visitou o Brasil com a família, estreitando laços com o país depois da política externa duvidosa do governo Lula. Radiação se espalha pelo Japão depois do terremoto seguido de tsunami. Apple lançou o iPad 2, agora com câmeras. iTunes posta aplicativo que promete a cura gay, causando uma petição on-line, assinada por mais de 100 mil, para a sua retirada.
Cura gay? Bem, se até religião promete a cura gay e se o presidente do Irã diz que não há homossexuais em seu país, tem gente que deve acreditar. Mas pode o sujeito se curar daquilo que o define? Como assim? Em termos muito leigos, a aquisição da linguagem pelos humanos vem no rastro do desmame e da descoberta de nossa própria imagem no espelho. Segundo a psicanálise, esse é o momento em que se instaura em nós a falta. Onde há falta, há um hiato. Onde há um hiato no sujeito, é onde se aloja o simbólico, ou os significantes (signos) de que nos utilizamos para sermos um sujeito desejante. E onde há desejo, há sonhos, fantasias e recalques, todos os signos que estruturam nosso inconsciente, que nos governa.
Se um sujeito qualquer encaminha seu desejo para um homem ou para uma mulher, isso se deve aos significantes que ele adquiriu em seu crescimento. Daí, ser hétero ou homoerótico seria somente uma relação simbólica. Uma questão de linguagem, praticamente.
Freud, inclusive, apontou para a bissexualidade humana em um de seus livros mais importantes, a saber ‘Os três ensaios sobre a sexualidade’, de 1905. Data do mesmo ano a publicação de ‘O caso Dora’ e ‘O chiste’. Diz Freud: “Algo no indivíduo vai ao encontro (da inversão). Certo grau de hermafroditismo anatômico constitui a norma. Em nenhum indivíduo masculino ou feminino de conformação normal faltam vestígios do sexo oposto. (...) A concepção resultante desses fatos anatômicos conhecidos de longa data é a de uma predisposição originariamente bissexual que, no curso do desenvolvimento, vai-se transformando em monossexualidade”.
Ou não, como diria a lenda sobre o mesmo Caetano.
A questão é que, em termos de desejo, somos todos estrangeiros. Não conhecemos as razões do nosso desejo. Isso só seria possível se parássemos e, como numa análise, tentássemos descobrir as nossas associações livres, os chistes (brincadeiras, voluntárias ou não) e os atos falhos que cometemos, e tudo o mais que estrutura o nosso inconsciente.
Atirar uma pedra na vidraça desejante do vizinho é dar um tiro no próprio pé: como temos problemas com o próprio desejo, tratamos de cuidar da grama do vizinho. Como a Líbia é a 2ª maior produtora de petróleo do mundo, vamos aproveitar o sofrimento e a tardia revolta do seu povo para atacar o país. Foi assim no Iraque.
O sofrimento humano é individual e coletivo. Saúde mental é questão de saúde pública, assim como segurança, educação pública, moralidade política e o grau de cidadania. Mas estar em paz com o seu desejo (inclusive o perverso) é tarefa individual. Se cada um cuidar do próprio nariz, quem sabe o mundo não terá um pouco mais de paz?
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