sábado, 26 de fevereiro de 2011

A educação que faz gostar de aprender

Cecília acabou de entrar no 6º ano de escolaridade, antiga 5ª série. Estuda em uma boa escola particular da cidade, que recentemente teve vários de seus ex-alunos entre os primeiros colocados nos vestibulares das principais universidades federais do país. Tem, a partir deste ano, um professor para cada matéria, e está empolgada – assim como toda a turma – com o seu professor de História.

Não o conheço e nunca assisti a uma de suas aulas, mas, pelo que se sabe, professor bom é aquele que tem domínio sobre o assunto, estuda constantemente e tem carisma para lidar com o aluno, além de ter o dom da comunicação e gostar do que faz. É o que dizem também os ensinamentos de Buda: para ensinar uma atitude qualquer, só mesmo tendo essa atitude. Ajudar a alguém a fazer qualquer coisa, até mesmo a aprender, é também aprender a falar a língua do outro. Somente desta forma é que a comunicação se torna possível.

Estou lendo um livro chamado “A eternidade e o desejo”, escrito pela portuguesa Inês Pedrosa e lançado oficialmente no Brasil durante a Festa Literária Internacional de Paraty de 2008. Ainda me encontro no primeiro capítulo, e já na primeira página uma frase me pegou de jeito. Diz a autora: “O que se vê nunca se pode narrar com rigor. As palavras são caleidoscópios onde as coisas se transformam noutras coisas. As palavras não têm cor – por isso permanecem quando as cores desmaiam. Percebo o teu aturdimento: como se traduz a visão: Como se emprestam os olhos?”.

Por isso, a dificuldade maior é ajudar as pessoas que são mais diferentes de nós mesmos. Professores de classe média andam sofrendo o diabo para lecionar em escolas da periferia. Professores quaisquer andam penando para lecionar em qualquer escola pública: os alunos, geralmente desfavorecidos socialmente, têm o discurso do consumismo e da celebridade aprendido nos canais de televisão aberto, enquanto os professores, não muito distantes da mesma realidade, se esforçam para obter mais uma matrícula ou para se aperfeiçoar e subir mais um degrau na escala da titulação, de forma a conseguir novo ou melhor emprego que pague um pouco mais.

E como continuação deles mesmos, já que o futuro pertence à juventude, a maior parte dos professores – assim como os pais – prefere, como disse esta semana na Folha de S. Paulo o colunista Contardo Calligaris, emburrecer os alunos a aborrecê-los. Ensinar a pensar por si só e a gostar de qualquer coisa dá muito mais trabalho do que simplesmente despejar um conteúdo sem ânimo ou sem amor pelo que se faz. Pena que esta última atitude não dá nenhum resultado. Mais: revela a falência da própria vida de quem a adotou, por incompetência ou por inapetência.

Me encanta que ainda existam professores que consigam despertar alegria e entusiasmo em alunos. Me encanta que ainda exista quem deseje ser professor. Que ajuda mais importante se pode dar a alguém do que ajudar a pessoa a se ajudar? Que ajuda mais importante se pode dar a uma criança ou a um jovem do que o despertar do gosto pela grande aventura do conhecimento?

Ajudar cada ser de acordo com a sua própria capacidade é cultivar em si mesmo o amor e a compaixão. É uma escolha consciente ou inconsciente, mas sempre trabalhosa, como tudo o que requer bom tempero e certo tempo de preparo. Se todos os fenômenos que percebemos com qualquer um dos nossos cinco sentidos estão sujeitos a causas e a condições distintas, conhecimento e educação são os únicos a que essa máxima não se aplica. O que se aprende e se apreende são conquistas para toda a vida.

O que transforma as diferentes visões de mundo em algo mais do que meras ilusões não é o dinheiro ou o poder político: é a atitude do observador.