sexta-feira, 27 de maio de 2011

Sem medo de ser feliz


Adriana Bacellar

Enquanto a natureza vai me presenteando com diferentes espécies de orquídeas, em casa, e com aroeiras em flor por toda a cidade, os jornais trazem as notícias que, mais do que indignação, causam agora um misto de ironia e escárnio. Na madrugada do dia da aprovação, na Câmara dos Deputados, do tal novo Código Florestal (que libera mais alguns acres aos madeireiros), um casal de ambientalistas e defensores da floresta foi assassinado no Pará como que para comemorar o feito de Brasília.
O casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva havia denunciado a ação de madeireiros perto do Assentamento Agroextrativista Praialta Piranheira, onde morava. Ambos eram ameaçados há tempos, mas não figuravam em nenhuma lista oficial de possíveis candidatos a receber segurança da Polícia Federal ou de quem quer que seja. Foram, como Chico Mendes e Dorothy Stang, deixados ao “deus-dará”, e terminaram como os outros dois, assassinados.
Poucos dias antes, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou dados que apontaram para o aumento de 27% do desmate da Amazônia nos últimos meses. Divulgados agora, os dados são de agosto de 2010 a abril, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Ainda mais alarmante foi a constatação de que houve um crescimento anormal da derrubada da floresta nos últimos dois meses, exatamente quando a discussão sobre reformas no Código Florestal brasileiro esquentou: entre março e abril deste ano, a destruição da Amazônia cresceu 473% (!) em relação ao mesmo período do ano passado.
A presidente da República, envolvida com uma pneumonia dupla, não deu um pio sequer sobre o assunto. Também não disse absolutamente nada sobre as atividades suspeitas do seu ministro da Casa Civil à frente da empresa Projeto durante o seu (dele) mandato de deputado federal. De 2006 a 2010, paralelamente às suas atividades de deputado federal, Palocci aparentemente intercedeu por diversas empresas que, imediatamente após contribuírem para a campanha da então favorita das pesquisas ao Planalto, tiveram liberadas expressivas somas de Imposto de Renda retido.
Houve mais: durante a transição do governo Lula para o governo Dilma, apenas nos últimos meses de 2010, a Projeto de Palocci multiplicou seu patrimônio por 20, mais da metade após a eleição de Dilma Rousseff. Não satisfeita, no começo de 2011 a Projeto adquiriu dois apartamentões em São Paulo, um de 6,6 milhões e um escritório de 882 mil reais, sendo que ninguém sabe ao certo o que faz e para quem trabalha a sua empresa.
No meio de todo o escândalo, a Folha de S. Paulo, responsável pelos furos, apurou também que a Caixa Econômica Federal relatou à Justiça que o responsável pelo vazamento dos dados bancários do caseiro Francenildo Costa foi mesmo o gabinete do ministro Antonio Palocci, na época na Fazenda. Tudo porque o processo está em andamento e o banco foi condenado em 1ª instância a indenizar Francenildo em R$ 500 mil reais pela quebra do sigilo bancário. A Caixa informou à 4ª Vara Federal de Brasília que cabia a Palocci o resguardo das informações que recebera do banco, na época do escândalo da Casa do Lobby.
Para não dizer que não fez nada, o governo federal suspendeu a distribuição do chamado “kit anti-homofobia” para apaziguar a bancada religiosa e para que Palocci, em revanche, não fosse convocado pelo Congresso a prestar esclarecimentos oficiais em Comissões e CPIs. Hoje sei que a frase do velho jingle petista, ‘sem medo de ser feliz’, queria dizer sem medo de se locupletar. Medo pra que, se somos mansos cordeirinhos?

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Sedução e espanto


Adriana Bacellar

A página em branco me encara, e a encaro de volta, sedução antiga mas ainda motivadora, como um amor verdadeiro. Dias tão ensolarados não convidam à introspecção ou ao trabalho duro, pelo contrário: fazem querer ir para as ruas ou recolher-se aos meros devaneios, mesmo no outono. Ou sobretudo no outono de dias tépidos e noites frias, convites explícitos ao recolhimento, ao aconchego e a tudo o que se pode sonhar fazer com outra pessoa que nos deseje ao menos em parte como sonhamos ser desejados.
A página em branco me encara, mais profundamente ainda às sexta-feiras, “sexta-feira, mais intensa que qualquer outro dia por ser véspera de tudo, embora o tudo resulte em nada, na segunda”, aspas tiradas de Caio Fernando Abreu.
Me encara, a página em branco. E como amor verdadeiro, a sedução que se renova é atração irrefreável, fascínio, tentação de resolver o enigma antes que a esfinge me coma. Como pedem as placas incansáveis, não mais alimentarei os animais, a não ser a mim mesma. Homo homini lupus: o homem é o lobo do homem, a fome é grande e ‘o meu angu primeiro’.
Sigo evitando, fingindo não vê-la, mas olhando de soslaio, usando armas antigas, expressões pouco conhecidas, me afastando do que sugerem os manuais, odeio manuais na proporção inversa em que adoro dicionários, tentativas de tradução para tudo o que não encontra outra saída além das palavras: fendas, faltas, fomes... Sonhos são eles próprios traduções, expressões de desejo que vazam, poluções noturnas, chistes, atos falhos, tudo o que é involuntário e pulsa, pulsa, pulsa – ainda e sempre.
A encaro de volta, a página em branco. Olho e não vejo nada além de mim mesma, nada além de perguntas, nada além do mesmo espelho que me desafiava na infância e que desafia vida afora, espelho, espelho meu, o mundo inteiro reduzido a olhos tão pequeninos, fábulas, óculos, vidraças e cortinas como que a refratar o medo ou a disfarçar intensidades pouco nobres entre mim e o meu desejo.
A página em branco me encara: espelho, espelho meu, existe alguém mais adjetiva do que eu? Sim, nobre rainha, a branca de neve, a gisele bündchen, qualquer outra mulher do mundo – mas não nesse momento em que a página em branco me encara e geralmente vejo o que nunca havia visto antes, por ser sempre novo desafio, uma nova página em branco, nova pergunta, nova tentativa, nova ins-piração.
Olho em volta e não vejo nada. Tudo o que é sólido se desmancha no ar, Marx também tinha poesia e sabia alguma física, espaço entre átomos em constante atração e repulsa, os vãos de que somos formados, o oco sobre o qual tentamos construir uma vida inteira, tudo cabendo, nada sendo norma definida, tudo sendo lei e convenção. E lei dos mais fortes, alegrias travestidas – negros sofrimento e solidão.
Prefiro o desafio da página em branco: olhar para mim mesma, todos os dias, entre sedução e espanto.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O 'status quo' não morreu


Adriana Bacellar

Teve uma época em que era moda usar a expressão Statu quo. Ela andava pela boca de todo mundo, os do contra e os a favor. Foi ali pelo final dos anos 60 e até os anos 80, período exato em que vigorou a ditadura militar no Brasil e no qual o pessoal começou a conhecer Spinoza, Delleuze, Marx, Marcuse, Walter Benjamin, Adorno, Horkheimer e outros.
Trata-se de uma expressão latina que designa “o estado atual das coisas, seja em que momento for”. Ou seja, durante a ditadura, manifestavam-se contra o Status quo todos os que lutavam contra a ditadura militar, de alguma forma. Já os que dela se beneficiavam, eram a favor da manutenção do Status quo, ou das coisas como elas estavam. Como se sabe, não foram poucos os que se aproveitaram dos anos de chumbo para obter informações preciosas e para enriquecer com a manutenção de monopólios os mais variados, de concessões de canais de rádio e televisão até a obtenção do mapa dos recursos naturais brasileiros, em solo ou no sub-solo. Isso para citar apenas os que enriqueceram com atividades consideradas lícitas.
Depois de tanta luta contra a caretice e de encerrado o período em que a censura ditava as regras no Brasil (1964-1985), fato é que a luta pelo e contra o tal do Status quo ganhou novas formas e novas tonalidades, já que a sua manutenção também adquiriu novos contornos. Se antes era o capital estrangeiro, a Rede Globo e o pagamento de juros ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que encarnavam o que de pior o Status quo pudesse representar, hoje em dia essa incorporação se dá de forma mais tênue, uma vez que praticamente todo mundo sonha em levar as crianças para passar férias no Disneyworld, em ter um carrão importado e em vestir grifes como se fossem manequins de vitrine.
No reino da breguice dourada e fake da sociedade do espetáculo insuportável das celebridades, o que melhor parece encarnar o Status quo do terceiro milênio é a aquisição dos dispositivos eletrônicos de última geração. Qualquer burguês de hoje (sim, eles também ainda existem!) tem orgulho inaudito em tirar da bolsa de grife falsa adquirida na 25 de Março o seu modelo de smartphone, seus Palms, seu iPad, seu netbook ou seu iPod. E, cúmulo dos cúmulos, gozam ao portar na traseira dos seus automóveis o adesivo com a logomarca da Apple, símbolo supremo do atual alpinismo social.
O Status quo também se presentifica no orgulho emburrecido dos evangélicos ao defenderem os pastores que subtraem os seus pertencem com pureza incomparável e que fornicam a rodo, enquanto os fiéis comentam à boca pequena. E enquanto garotinhos e garotões não perdem uma boquinha para exibir suas cascas envernizadas por falsos brilhantes e pela moral duvidosa dos preceitos que precisam defender para sobreviver e, assim, disfarçar as suas idiotias, o Supremo Tribunal Federal do Brasil vai dando aula de civilidade e de inteligência na apreciação das mais recentes matérias, como na legalização da união homoafetiva e da negação de recurso aos réus do ‘mensalão’. Ambas as sessões foram aulas magnas contra o Status quo brasileiro que prega a virtude da aparência ante a essência.
Não sei não... Acho que estou me apaixonando pelo Supremo.

O status quo não morreu


Adriana Bacellar

Teve uma época em que era moda usar a expressão Statu quo. Ela andava pela boca de todo mundo, os do contra e os a favor. Foi ali pelo final dos anos 60 e até os anos 80, período exato em que vigorou a ditadura militar no Brasil e no qual o pessoal começou a conhecer Spinoza, Delleuze, Marx, Marcuse, Walter Benjamin, Adorno, Horkheimer e outros.
Trata-se de uma expressão latina que designa “o estado atual das coisas, seja em que momento for”. Ou seja, durante a ditadura, manifestavam-se contra o Status quo todos os que lutavam contra a ditadura militar, de alguma forma. Já os que dela se beneficiavam, eram a favor da manutenção do Status quo, ou das coisas como elas estavam. Como se sabe, não foram poucos os que se aproveitaram dos anos de chumbo para obter informações preciosas e para enriquecer com a manutenção de monopólios os mais variados, de concessões de canais de rádio e televisão até a obtenção do mapa dos recursos naturais brasileiros, em solo ou no sub-solo. Isso para citar apenas os que enriqueceram com atividades consideradas lícitas.
Depois de tanta luta contra a caretice e de encerrado o período em que a censura ditava as regras no Brasil (1964-1985), fato é que a luta pelo e contra o tal do Status quo ganhou novas formas e novas tonalidades, já que a sua manutenção também adquiriu novos contornos. Se antes era o capital estrangeiro, a Rede Globo e o pagamento de juros ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que encarnavam o que de pior o Status quo pudesse representar, hoje em dia essa incorporação se dá de forma mais tênue, uma vez que praticamente todo mundo sonha em levar as crianças para passar férias no Disneyworld, em ter um carrão importado e em vestir grifes como se fossem manequins de vitrine.
No reino da breguice dourada e fake da sociedade do espetáculo insuportável das celebridades, o que melhor parece encarnar o Status quo do terceiro milênio é a aquisição dos dispositivos eletrônicos de última geração. Qualquer burguês de hoje (sim, eles também ainda existem!) tem orgulho inaudito em tirar da bolsa de grife falsa adquirida na 25 de Março o seu modelo de smartphone, seus Palms, seu iPad, seu netbook ou seu iPod. E, cúmulo dos cúmulos, gozam ao portar na traseira dos seus automóveis o adesivo com a logomarca da Apple, símbolo supremo do atual alpinismo social.
O Status quo também se presentifica no orgulho emburrecido dos evangélicos ao defenderem os pastores que subtraem os seus pertencem com pureza incomparável e que fornicam a rodo, enquanto os fiéis comentam à boca pequena. E enquanto garotinhos e garotões não perdem uma boquinha para exibir suas cascas envernizadas por falsos brilhantes e pela moral duvidosa dos preceitos que precisam defender para sobreviver e, assim, disfarçar as suas idiotias, o Supremo Tribunal Federal do Brasil vai dando aula de civilidade e de inteligência na apreciação das mais recentes matérias, como na legalização da união homoafetiva e da negação de recurso aos réus do ‘mensalão’. Ambas as sessões foram aulas magnas contra o Status quo brasileiro que prega a virtude da aparência ante a essência.
Não sei não... Acho que estou me apaixonando pelo Supremo.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Abbottabad é aqui




Adriana Bacellar

A essa altura, todo mundo já tomou conhecimento do nome da cidade paquistanesa onde o governo norte-americano matou o terrorista Osama bin Laden no começo deste mês, Abbottabad - cidade de Abbott, um inglês que andou por lá, há muito tempo. Aos poucos, as primeiras versões apresentadas pelo governo de Barack Obama vão sendo contestadas por outros governos e por organismos internacionais, como a ONU, e o que resta é um monte de perguntas e de elucubrações que só servem mesmo à manutenção da desinformação a respeito do que realmente aconteceu.
Osama era amigo do governo hoje encarnado por Obama, e trabalhou pelos aliados na guerra do Afeganistão, décadas atrás. Depois, foi descartado e pulou para o lado do ódio aos yankees, como que para se vingar de quem comeu no seu prato e mais tarde passou a cuspi-lo. A cada nova edição matutina dos jornais mundiais, ficamos sabendo de mais detalhes, todos contraditórios, da ‘Operação Geronimo’ - aliás, um desrespeito ao índio norte-americano que encarnou a brava luta contra o extermínio de seu povo durante a ocupação inglesa em terras americanas.
Ninguém viu corpo, nenhum mulá foi chamado a tratar do cadáver (como reza a tradição islâmica), nenhuma foto foi divulgada e o governo dos Estados Unidos quer nos fazer crer que o mundo é hoje um lugar melhor para se viver em virtude dessa ‘notícia’ que mais parece ter saído da chamada imprensa marrom, por desrespeitar todos os princípios básicos do bom jornalismo.
Uma vez mais, para quem tem o maior arsenal bélico do mundo, tudo é possível. A dica para o rastreamento dos dois mensageiros que trabalhavam para Osama bin Laden teria sido obtida em sessões de tortura na prisão de Guantánamo, enclave norte-americano em plena ilha de Cuba e para onde os EUA enviam os seus presos de guerra e outros de grosso calibre. E tortura é uma das especialidades dos combatentes norte-americanos, como também é de conhecimento público por aqui desde a famigerada ‘Operação Condor’ dos anos 1970. Na época, oficiais norte-americanos treinaram e exportaram sangue e porrada para oficiais da linha dura do Cone Sul, que estavam à frente das ditaduras militares em vários países da América Latina, incluindo o Brasil.
Dois dias antes da notícia da morte de Osama bin Laden, o episódio da explosão da bomba no Riocentro fez 30 anos, no dia 30 de abril. Naquela noite de 1981, cerca de 20 mil brasileiros se encontravam no local para festejar o Dia do Trabalho num show com os principais artistas da MPB, como Chico Buarque, Gonzaguinha, Gonzagão e tantos outros. Todas as portas de saída de segurança do Riocentro estavam trancadas, mais duas bombas foram achadas atrás do palco e outra ainda também foi vista por testemunhas dentro do Puma explodido por obra certamente divina, matando um militar que a manipulava e deixando seu cúmplice no atentado frustrado gravemente ferido.
Como que para coroar todo o ‘revival’ da história política recente do Brasil, está no ar no SBT a novela “Amor e revolução”, que encena os principais fatos dos chamados anos de chumbo da ditadura brasileira. Como de praxe, um abaixo-assinado de milicos da reserva e da ativa tentou intimidar o canal de televisão para que suspendesse a novela, sob a alegação de que abriria de novo velhas feridas. Felizmente, foi rapidamente abafado pela cúpula do Ministério da Defesa, para o bem da recente democratização brasileira.
Talvez nunca saibamos integralmente como Osama foi morto, mas os métodos divulgados de sua execução condizem com o ‘modus operandi’ da maior potência econômica da Terra. Certamente ele foi um terrorista sangrento, mas não mais do que quem exporta não somente tecnologia de ponta em todas as áreas do mercado e da educação, como também práticas escusas e condenáveis de atuação militar ao redor do mundo.