sábado, 27 de agosto de 2011

O planeta diamante


O nome dele é uma sigla: PSR J1719-1438. O novo pulsar detectado recentemente por pesquisadores australianos é como qualquer outro: uma estrela de nêutrons extremamente densa e que gira muito rapidamente, emitindo pulsos de rádio a intervalos regulares – raiz do seu nome. Astros do tipo giram em torno do seu próprio eixo aproximadamente mais de 10 mil vezes por minuto, e por isso são conhecidos como “pulsares de milissegundos”.
Segundo os pesquisadores da Universidade de Tecnologia Swinburne, na Austrália, e autores do artigo publicado na semana passada na revista “Science”, cerca de 70% dos pulsares de milissegundos conhecidos têm algum tipo de companheiro. Esses companheiros são planetas que têm a importante função de transformar pulsares velhos em pulsares de milissegundos “ao transferirem sua massa e momento para eles, fazendo com que girem cada vez mais rápido. O resultado do sistema é um pulsar com velocidade de rotação extremamente alta com um companheiro encolhido em sua órbita, em geral uma estrela anã branca”.
Para quem quiser conhecer mais detalhes da pesquisa australiana, é preciso saber inglês e acessar o site de uma das mais importantes revistas internacionais dedicadas ao tema (www.sciencemag.org) e publicada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS na sigla em inglês). Para além do interesse científico, porém, a matéria da “Science” traz uma grande novidade: o planeta companheiro do pulsar, que teve todas as suas camadas externas e mais de 99% de sua massa sugadas por ele, transformou-se num planeta de diamante, uma esfera de carbono e oxigênio, de alta densidade e em forma cristalina.
A notícia é mais um fato a comprovar que os poetas são visionários que antevêem coisas que os cientistas só muito posteriormente constatarão. O fato de um planeta ou estrela ter-se transformado, por leis naturais, em companheiro/a de um pulsar, e essa relação dar vida nova a um astro antes moribundo, ocorre também em toda e qualquer relação humana.
O poeta Carlos Drummond de Andrade, que será o homenageado da Festa Literária de Paraty em 2012, escreveu isso em seu poema “Canção Amiga”. Publicado em 1948 no livro “Novos Poemas”, da José Olympio Editores, e musicado por Milton Nascimento no disco “Clube de Esquina 2”, de 1978, o poema de Drummond diz, em seus últimos versos: “Do jeito mais natural, dois carinhos se procuram. Minha vida, nossas vidas formam um só diamante. Aprendi novas palavras, e tornei outras mais belas”.
Uma análise gramatical do poema de Drummond poderia dizer que “Canção Amiga” é um dos textos mais fluentes e mais musicais do poeta de Itabira, escrito em redondilhas maiores, de sete sílabas. Poderia ir além e dizer ainda que, no poema, a tão desejada harmonia da vida é anunciada para além de todas as precariedades do sujeito. Estrofes regulares, de quatro em quatro versos, promovem a interação entre os redondilhos e o coloquial, com intensa expressividade.
Quanto a mim, prefiro a alegria de saber que lá fora, na imensidão negra e infinita, os astros também estão submetidos às mesmas leis de atração e repulsão às quais somos submetidos no planeta azul. Que, para além de toda solidão, também precisam de um outro para sentir-se rejuvenescido e para encontrar novas razões para a sua pulsão. E que disso podem resultar pérolas. Ou diamantes por lapidar.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Fome



Adriana B. Leite e Santos

Pessoas adoram consolos de todos os tipos. Colinhos, compreensões várias, palavrinhas de estímulo ou de auto-ajuda, vibradores, divãs e confessionários onde aplacar a culpa pela própria miséria. A corrida ao tesouro atual inclui a busca pela tal da "felicidade", especialmente em forma de corrida à fonte da juventude que, como reza a lenda, permitiria que a vida fosse eternizada no auge do vigor físico da espécime.
Nunca conheci ninguém de idade a quem o eufemismo “feliz idade” pode ser aplicado. Todos já entrados nos anos questionam ou questionavam, entre outras coisas, a perda de agilidade e de viço, a pressão arterial, o colesterol e as rugas, além das flatulências. Ainda que a pessoa não seja de muitas reclamações, são indiscutíveis as limitações que a idade impõe a cada um. Em todos, porém, o tal consolo: a agilidade mental e a sagacidade da idade supera, em muito, as deficiências físicas naturais do passar do tempo. O que mantém alguém de pé, por outro lado, não é nada disso, e sim a capacidade de ainda desejar coisas, independente da idade, e de tentar viver cada dia com a plenitude possível.
Nunca basta muito ou pouco para ser feliz. Simplesmente a tal felicidade é um conceito abstrato demais num mundo sustentado por signos e subjetividades. Conceber-se feliz num mundo onde milhares de crianças morrem de fome - na Somália, no Djibuti, no Quênia ou no Brasil - é a mais absoluta prova de que A felicidade é impossível neste mundo. Instantes de felicidade, no entanto, são plenamente possíveis, e tornam a vida mesma mais suportável; e alongam a vista para além do ceticismo que tudo resseca e desestimula.
Paixões costumam permitir tal experiência de felicidade quando é correspondida. Amor por filho também. Mas não se pode dizer o mesmo do amor entre duas pessoas, que – como disse o poetinha – só é bom se doer. E dói, mais cedo ou mais tarde. Desde que não vire o conformismo acomodado dos casais sem muito assunto, ou a mentira mal disfarçada dos traidores compulsivos, amor dói, especialmente quando deixa de ser colo e passa a ser pé no chão ressequido e reconhecimento da fome que nunca cessa.
Fome, fomes. Os Titãs acertaram na mosca quando perguntaram, numa de suas canções, "Você tem fome de que?". Grana? Forma física invejável? Ascensão social? Poder? Justiça social? Justiça pessoal?
Pois as crianças indígenas brasileiras têm fome de comida mesmo, assim como as crianças africanas que estão morrendo aos milhares por falta absoluta do que comer. Enquanto a gente finge que é cidadão, indo votar nos inescrupulosos de dois em dois anos, e eles fingem que são diferentes uns dos outros durante as famigeradas e caras campanhas eleitorais, as crianças do Brasil estão morrendo de fome ou vendendo seus corpos aos marmanjos safados porque a corrupção generalizada que corrói o país, como as antigas saúvas, não deixa as verbas federais chegarem a quem realmente precisa.
Do outro lado do Atlântico, as crianças africanas do chamado Chifre da África também estão morrendo de fome na Somália, no Quênia, na Etiópia e no Djibuti. É o testemunho fúnebre da combinação de tragédia climática, alta inescrupulosa do preço dos alimentos e conflito armado, além de indiferença mundial. Einstein obviamente tinha razão: a estupidez humana é mesmo infinita.