sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Fome



Adriana B. Leite e Santos

Pessoas adoram consolos de todos os tipos. Colinhos, compreensões várias, palavrinhas de estímulo ou de auto-ajuda, vibradores, divãs e confessionários onde aplacar a culpa pela própria miséria. A corrida ao tesouro atual inclui a busca pela tal da "felicidade", especialmente em forma de corrida à fonte da juventude que, como reza a lenda, permitiria que a vida fosse eternizada no auge do vigor físico da espécime.
Nunca conheci ninguém de idade a quem o eufemismo “feliz idade” pode ser aplicado. Todos já entrados nos anos questionam ou questionavam, entre outras coisas, a perda de agilidade e de viço, a pressão arterial, o colesterol e as rugas, além das flatulências. Ainda que a pessoa não seja de muitas reclamações, são indiscutíveis as limitações que a idade impõe a cada um. Em todos, porém, o tal consolo: a agilidade mental e a sagacidade da idade supera, em muito, as deficiências físicas naturais do passar do tempo. O que mantém alguém de pé, por outro lado, não é nada disso, e sim a capacidade de ainda desejar coisas, independente da idade, e de tentar viver cada dia com a plenitude possível.
Nunca basta muito ou pouco para ser feliz. Simplesmente a tal felicidade é um conceito abstrato demais num mundo sustentado por signos e subjetividades. Conceber-se feliz num mundo onde milhares de crianças morrem de fome - na Somália, no Djibuti, no Quênia ou no Brasil - é a mais absoluta prova de que A felicidade é impossível neste mundo. Instantes de felicidade, no entanto, são plenamente possíveis, e tornam a vida mesma mais suportável; e alongam a vista para além do ceticismo que tudo resseca e desestimula.
Paixões costumam permitir tal experiência de felicidade quando é correspondida. Amor por filho também. Mas não se pode dizer o mesmo do amor entre duas pessoas, que – como disse o poetinha – só é bom se doer. E dói, mais cedo ou mais tarde. Desde que não vire o conformismo acomodado dos casais sem muito assunto, ou a mentira mal disfarçada dos traidores compulsivos, amor dói, especialmente quando deixa de ser colo e passa a ser pé no chão ressequido e reconhecimento da fome que nunca cessa.
Fome, fomes. Os Titãs acertaram na mosca quando perguntaram, numa de suas canções, "Você tem fome de que?". Grana? Forma física invejável? Ascensão social? Poder? Justiça social? Justiça pessoal?
Pois as crianças indígenas brasileiras têm fome de comida mesmo, assim como as crianças africanas que estão morrendo aos milhares por falta absoluta do que comer. Enquanto a gente finge que é cidadão, indo votar nos inescrupulosos de dois em dois anos, e eles fingem que são diferentes uns dos outros durante as famigeradas e caras campanhas eleitorais, as crianças do Brasil estão morrendo de fome ou vendendo seus corpos aos marmanjos safados porque a corrupção generalizada que corrói o país, como as antigas saúvas, não deixa as verbas federais chegarem a quem realmente precisa.
Do outro lado do Atlântico, as crianças africanas do chamado Chifre da África também estão morrendo de fome na Somália, no Quênia, na Etiópia e no Djibuti. É o testemunho fúnebre da combinação de tragédia climática, alta inescrupulosa do preço dos alimentos e conflito armado, além de indiferença mundial. Einstein obviamente tinha razão: a estupidez humana é mesmo infinita.

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