quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Despotismo esclarecido





Hoje começa a primavera e, assim como mudam as estações e o tempo em todo o planeta, mudam também as disposições internas e a temperatura de corpos celestes e terrestres, pessoas aí incluídas. A uma explosão de massas polares e ar muito seco no hemisfério sul se seguirá necessariamente a volta das flores, os dias mais longos, as noites mais quentes, a preparação para a explosão do verão e do ápice da sensualidade que irá preparar para outro tempo de posterior recolhimento e para outras futuras explosões de calor e de alegria.
Alguns povos muito antigos, como os chineses, expressam toda essa alternância em livros milenares, que se caracterizam por ilustrar as mutações a que todo ser vivo está sujeito. Quem aceita as transformações, e encara de frente as dúvidas que as precedem, costuma sofrer menos do que os encastelados em carapaças que, por mais duras que sejam, sempre se quebram, um dia.
Parece que, ao descobrir as leis da física, Newton também antecipou alguns mandamentos da ordem do inconsciente, principalmente aquele que diz que a toda ação, segue-se uma reação. Somos fruto de uma sucessão de atos e acasos. Nada do que se sonha ou do que se deseja vem do nada, e nem vai cair no colo de ninguém sem que muito empenho tenha sido despendido, antes.
É um pouco isso, o verão: a estação em que tudo o que estava em gestação atinge o seu ápice e explode em possibilidades acalentadas previamente. É o tempo da rua, do sol, do discutível horário de verão, da natureza sensual dos corpos bem-cuidados e de todas as possibilidades de alegria acalentadas por quase todo mundo.
Só não se pode acreditar, em meio a toda essa festa erótico-solar que renova as esperanças até mesmo de quem já anda usando o comprimidinho azul, na teoria de que o Homem é um ser bom, o que sempre foi objeto de pesquisa e de discussão entre filósofos de todos os tempos. Bem e mal sempre estiveram na pauta de quase todo pensador, de Heráclito, Platão, Aristóteles e Sócrates a Espinosa, Kant e Nietzsche, que disse que "o homem é criador de valores, mas esquece a sua própria criação". Jean-Jacques Rousseau construiu a teoria do "bom selvagem" e outros iluministas, como Voltaire, construíram suas teorias em resposta ao "despotismo esclarecido" de sua época.
Por trás dos panos, sabemos: o homem não é e nem nunca foi bom. Antes, doma os seus instintos perversos à custa de muito sofrimento psíquico. Como diz Nietzsche em ‘A gaia ciência’, ‘viver é, para nós, constantemente transformar em luz, em chama, tudo aquilo que somos'. Em qualquer latitude ou paralelo, são poucos os que verdadeiramente conseguem. E não há sol de primavera ou calor de verão que seja capaz de esconder a verdade primária de todo sujeito: como afirmou Jacques Lacan, peremptório e sucinto, o homem é "um animal feroz". Jornais e telejornais diários não o deixam mentir.

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